terça-feira, 6 de abril de 2010

Como Kurt Cobain derrotou a Barbie

Fez ontem 16 anos que morreu Kurt Cobain. Algumas pessoas dirão que o espírito morreu com ele, mas a influência que ele teve no nosso sentido estético prolongou-se durante os anos 90, tendo um impacto muito elevado nos nossos sentidos estéticos.

Durante os anos 80, a cultura americana era muito orientada pelo espírito Winner-Looser. Todos queriam ser os winners e aqueles que eram considerados Loosers eram marginalizados. Um estilo de roupa muit Kische, um sorriso constante e uma transmissão de auto-confiança eram a noção de cool. Nesta época tudo o que era adoptado nos EUA, era seguido por todo o Mundo, ainda que numa dimensão mais súbtil.

Os bonecos Barbie e Ken representavam o expoente máximo deste estereótipo e ensinavam as crianças a ser assim.

Os Nirvana apresentaram-se como a banda que não poderia reinar neste contexto. A sua música e estilo eram a encarnação do espírito Looser. Este contraste winner-Looser pode ainda ser visto de outras formas como direita-esquerda, expansão-introspecção, kische-irreverência ou imagem-conteúdo. Dependendo do lado de que nos encontramos temos tendência a ver esta diferença cultural.

Podemos ver como Axl Rose, também ele irreverente, mas num registo completamente diferente, muito mais associado aos anos 80, com roupas extravagantes, calções justos e um estilo muito expansivo foi completamente ultrapassado pelos Nirvana. Podemos dizer que Kurt e Axl não podiam co-existir no mesmo público.

A sociedade sofreu uma profunda alteração de valores estético-culturais, sentida sobretudo ao nível dos jovens Main-stream.

Um dos grandes casos de estudo da prospectiva ao nível da cultura é a queda da Mattel e das bonecas Barbie. A grande multinacional que vendia a boneca a preços astronómicos achava que nunca ia ser derrotada porque não conseguiu observar a profunda alteração cultural que estava a atravessar.

Mais tarde, uma pequena empresa criou as bonecas bratz que representavam a nova cultura de irreverência por oposição ao espírito de perfeição e beleza intocável da Barbie. As Bratz foram o maior sucesso e as vendas da Barbie cairam a pique.

Era de esperar que os gestores da Mattel não ouvissem Nirvana, mas não é aceitável que não estivessem atentos às mudanças culturais.
Bastava ter consultado um trend-hunter. O trabalho de um trend-hunter é estar muito atento às novas tendências, ver as novas bandas, os filmes, as formas como os jovens se vestem, como falam e quais são os seus valores estético-culturais.

4 comentários:

João Cardiga disse...

Bem aqui poderei talvez dar uma explicação mais profunda da minha opinião:

"A sociedade sofreu uma profunda alteração de valores estético-culturais, sentida sobretudo ao nível dos jovens Main-stream."

Julgo que a profunda alteração que mencionas foi em sentido contrário àquele que parece ser induzido. No fundo, embora todo o movimento tenha tido algum impacto, o mesmo não foi consequente no futuro.

O sucesso dos Nirvana e de todo o grunge foi o de encarnar uma actitude e sentimento próprio do pós anos 80, que foi um pouco o de "estar farto"... No entanto passado esse momento, aconteceu precisamente o contrário. A industria mainstream aprendeeu as lições e a partir desse momento nunca mais existiu nada igual - o que honestamente seria contra-natura.

Eu diria que se Kurt foi a morte dessa actitude perante a música e a arte, a morte de 2PAC, em 1996, foi o enterro final.

Honestamente julgo que mais dia menos dia vai voltar a "rebentar" algo identico, espero eu, no entanto 14/16 anos´foi um periodo demasiado longo, que nos deveria fazer reflectir sobre o estado actual da sociedade e os seus impactos futuros...

Simão Soares disse...

Caro João, eu vou ainda mais longe. O Grunge vai terminar de se destacar como influencia estética principal da actualidade ainda este ano e isto é algo que afirmo sem margem nenhuma de dúvidas.


Estamos a entrar na ressaca da estética dos anos 80 como principal influencia da sociedade global na qual o Indie, que predominou nos ultimos anos, e com particular incidencia na sua componente mais Post Punk / New Wave no ano 2009, se afirmou como maior influencia de grande parte das manifestações artísticas, quer fossem estas mais underground ou mais mainstream.

Relativamente ao Kurt Cobain, este emergiu juntamente com os Nirvana num periodo bastante semelhante ao que vivemos actualmente e devido a um estimulo existente no meio underground iniciado quase 10 anos antes com bandas que abordavam o Indie/Rock Alternativo/Post Punk com uma atitude ainda mais "I don't care" que contrariava o espírito da pop que se vivia na altura, bandas das quais destaco os Pixies, por exemplo. Falar de Nirvana é falar de Grunge e do "anti 80's pop" mas é também falar de um movimento underground dos anos 80 nos quais incluo bandas como os Pixies, Joy Division (early 80's), Cocteau Twins (banda com a qual me orgulho de relacionar pessoalmente), 4AD a editora independente mais reputada da história da música, etc...
Podia também falar um pouco dos ciclos revivalistas que se manifestam através de regras nas quais incluo a alusão a correntes artísticas que emergiram 20 anos antes, ciclos estes que se encontram a encortar ao ponto de de hoje em diante se começar a falar de periodos bi-anuais em vez de décadas.

Afirmar que um determinado movimento artístico influenciou a sociedade ao nível do seu futuro é algo que só se pode dizer 20 anos depois, embora a tendencia seja, como já referi, o encurtamento desse periodo.

João Cardiga disse...

"Afirmar que um determinado movimento artístico influenciou a sociedade ao nível do seu futuro é algo que só se pode dizer 20 anos depois, embora a tendencia seja, como já referi, o encurtamento desse periodo."

Interessante, sempre imaginei que esse ciclo ficasse entre os 10 e 15 anos (mais ou menos o tempo de as pessoas que cresceram a ouvir/ver esses movimentos terem idade de elas próprias serem a voz de determinada geração).

Julgo que o que acontece na actualidade, e para mim é quase um paradoxo, é que existe muita oferta, o que acabou por dispersar mais a procura.

Utilizando uma imagem um pouco exagerada, é como voltassemos todos à "aldeia", acabando por estarmos efectivamente algo mais limitado.

Honestamente para já não vejo que haja hipotese de um "Kurt Cobain" saia do underground dado o risco que o mesmo acarrateria para um label "mainstream".

Não sendo um grande entendido na matéria, parece-me que ao mesmo tempo que existe mais bandas alternativas, as mesma têm mais dificuldade para chegar ao grande publico, quer por execesso de oferta quer pelo que referiste de um acelaramento dos periodos (dito de outra forma queimam-se mais rápido).

Não quero dizer com isto que é bom ou mau, apenas é diferente...

P.S. Eu pessoalmente, e fazendo parte dessa geração, gosto muito da onda anti-sistema, quer seja na musica, quer seja noutras areas distintas.

Hugo Ferreira Garcia disse...

uma das grandes questões do estudo da mudança é se foi o surgimento do ícon que mudou a sociedade, ou se foi a mudança da sociedade que fez sobressair o ícon.

A resposta mais sensata será talvez que foi uma conjugação dos dois.

Isto aplica-se tanto a símbolos culturais como a líderes políticos.